A MÁGOA DE 8 ANOS QUE NÃO DESAPARECEU COM UM BAILE

Já há alguns meses que esperava ansiosamente pelo convite para o baile. Não seria um convite comum de se fazer, nem toda a gente o recebe na vida, mas criei a expetativa de que (em tempos) o mereci e que, por isso, teria dezenas de hipóteses de ser diferente e receber.
À medida que o grande acontecimento se aproximava, as expetativas iam diminuido e mágoas passsadas iam ocupando os lugares por elas deixados.
E foi assim até sexta-feira. Não apareceu, nem por mail, nem por mensagem, muito menos num telefonema (como há uns anos aconteceu!). Não apareceu e deixou em mim um grande vazio só preenchido pela tal mágoa de 8 anos, a tal dor que, entretanto, fui guardado num cantinho recôndito e que, até ao momento, só ousara pôr a cabecita de fora em momentos de indecisão profissional.
Hoje vou enterrar a mágoa, agora dupla, pois não sei viver com ela. Não se encaixa na pessoa que sou e nunca irá mudar a professora que consigo e sei ser, por isso está na hora de lhes dar os parabéns sinceros e seguir em frente guardando a ideia de que fiz a diferença nas suas vidas.

Aconteceu quando decorria o mês de junho... não me lembro do dia exato. Nesse ano, as aulas terminaram com uma festa muito grande, unindo todo o agrupamento no espaço mais emblemático da vila. Eu estive lá com os pequenotes reguilas, na altura a terminar o 1.º ano, mas parte da minha cabeça estava noutro lugar... afinal, os "miúdos" com que estivera nos 3 anos anteriores, o tal grupo por quem ainda vivia apaixonada, estavam quase a receber os seus diplomas de finalistas de 1.º ciclo.
Parte da cabeça estava com eles. O coração estava todo. E partido.
Não fora convidada para a grande festa. Nenhum pai, nenhum colega (da dezena que comigo trabalhara nos 4 anos anteriores), nenhum pai-colega (que também os tinha), ninguém da Direção... Ninguém me disse que seria bem-vinda na despedida daquele grupo, ninguém me informou da data e hora. Ninguém estava à minha espera. Quer dizer, tenho (quase) a certeza de que os miúdos sentiram a minha falta.
Fora um ano muito complicado para todos nós. Esperei mais de um mês por uma permuta que não foi aceite, nem com as cartas dos pais para o ministério e outras entidades. Sofri ao ouvir tudo o que de errado foi acontecendo ao longo dos meses, ao perceber como naquele quarto ano eram tão mais infelizes do que haviam sido nos outros três. Doeu tanto! Queria voltar para eles, voltar a ensinar-lhes, a fazer projetos, a construir e perseguir sonhos, a sair com eles da escola para aprender no terreno, a descobrir todos os dias novas formas de aprendizagem. Queria que voltássemos a estar juntos nas festas de família, a encontrar-nos nos eventos da comunidade, a dar-lhes colo quando a vida lhes passava rasteiras.
Estava noutra festa, mas não podia aceitar não os ver nem abraçar naquele dia tão importante.
Por isso, acabada a festa dos reguilas, deixei marido e filhos e corri para a outra festa, conduzindo que nem doida para chegar a tempo de os ver receber os diplomas, para conseguir aplaudi-los e dizer-lhes mais uma vez para "acreditar que somos capazes".
Cheguei e a festa decorria dentro do edifício. Tentei espreitar. Comprimentei um ou outro pai, dos que estavam cá fora afastados da confusão. Rondei todas as portadas à procura de um sítio de onde conseguisse vê-los. Lembro-me de uma mãe de outra turma me ter perguntado porque não estava lá dentro. Não sei bem o que respondi.
Já tinha sido o jantar. Estavam a ver fotografias das turmas. Ainda não era a deles. Imagens desde pequeninos para assinalar a data, que terminavam com fotografias da viagem de finalistas. Emocionei-me. Conhecia todos aqueles miúdos desde a sua entrada na escola. Chorei e esperei pelas fotos dos "meus" meninos. Esperei quase escondida, com uma sensação de crime, de estar no lugar errado tentando não ser descoberta. Esperei para os ver... afinal, tínhamos tirado centenas de fotos ao longos daqueles anos, todas entregues aos pais em cd no final de cada um, dezenas publicadas no nosso blog... Ninguém mas pediu. Imaginei que não fosse preciso... Mas não aparecerem. As imagens de memórias deles não apareciam como as outras, como se os três primeiros anos, aqueles em que se aprende quase tudo, tivessem sido apagados. Apareceram algumas daquele ano e as da dita viagem. Senti-me pequenina, dorida, humilhada... Não estava a acreditar... Doía demais para acreditar. Sei que sou excessivamente emocional, sentimental e próxima... Sei que fui porque quis... Mas não valera cada uma destas minhas características para tornar mais felizes cada umas daquelas pequenas vidas?
Depois dos diplomas, na altura do discurso da atual professora, um deles viu-me por entre a multidão. Disse "Está ali a Marisa!!!" com aquela alegria que caracterizava cada um dos nossos encontros... Todos eles me procuraram com o olhar, juntos gritaram vezes sem conta o meu nome, e, não me interessando mais nada, corri para eles. Abraçámo-nos, emocionados e felizes. Eu e eles de novo... Nós juntos a comemorar. Muitos pais se juntaram a nós... A família se reuniu.
Depois de matar saudades, eles foram brincar e eu, tão discretamente como entrara, saí da escola. Continuei magoada como antes, mas levava o coração cheio da ternura dos miúdos e tranquilo por ter estado onde deveria estar. Depois segui em frente e dediquei-me com garra e amor ao novo grupo (agora a terminar o 9.ºano).

Sou pessoa de grandes perdões e esquecimentos, por isso, ao longo dos anos, fui guardando a mágoa de não ter lá estado de forma diferente. Fui esquecendo e me relacionando melhor com os encontros com pais e colegas... Evitei alguma vida social aqui na aldeia, que fui recuperando aos pouquinhos. Não mais me apeteceu voltar a trabalhar por aqui. Continuei a ver os miúdos, fui acompanhando as suas evoluções na escola, fui matando saudades na net e nos encontros fortuitos que foam acontecendo. Fui enchendo o peito com a alegria que mostram sempre que nos encontramos.

Por tudo isto, e porque agora são maiores de idade e não precisam dos adultos para fazer convites, de coração aberto esperei ser convidada para o baile de finalistas. Quase todos estão a terminar o 12.ºano e viveram na sexta-feira o grande dia da despedida. 8 anos depois, voltam a ser os reis da festa e a comemorar um percurso de aprendizagem e de sonhos. Foram 12 anos... foram muitos professores... eu fui a única com quem passaram 1/4 do total das horas letivas de todos eles... Nao fui convidada. E desta vez a tal mágoa já não permitiu mais uma humilhação de impõr a minha presença. A desilusão não ajudou. (Bastava um, de tantos...)

Começo quase como acabei. Sei que não é comum os jovens convidarem o seu primeiro professor para o baile. Sei que acabam perdendo o vínculo. (Há alturas em que alguns até parece que têm vergonha de nós!). Sei que não é vulgar receber o tal convite. Mas também sei que não sou uma professora vulgar, que não me relaciono com os miúdos de forma comum a todos os outros, que estive muito presente na vida deles, dentro e fora da escola.

Já desabafei. Está na hora de me despedir desta mágoa, de enterrá-la solitariamente, porque mais ninguém o vai fazer por mim. (Nem ajudar, tão pouco.) Está na hora de interiorizar que posso ser diferente, única, mas não devo esperar que os outros o sejam, vejam ou sintam.

Aos meus golfinhos desejo tudo o que há de MAIOR e MELHOR. Desejo-lhes uma vida CHEIA de sonhos, de sucessos, de amor, de paz, de saúde, de felicidade. Desejo-lhes o Mundo, porque sei que todos os dias o merecem. Estou muito orgulhosa de todos eles.

P.S. Já fui vendo algumas fotos e TODOS estavam LINDOS no baile!!

Comentários

  1. Olá Marisa.
    Quando se gosta de crianças, não é facil deixar essa mágoa para trás com tantas recordações.
    Pelo que li, até fez um bom trabalho com os alunos, para conseguirem chegar ao final da etapa.
    Falo por mim, e certamente os seus alunos também vão sempre recordar a professora.

    Há professores que vão nos marcando ao longo da nossa vida, há palavras que ficam marcadas nas nossas memórias.

    Nunca desista de deixar a sua "marca", acredite que muitos alunos seus vão sempre lembrar a tal professora.

    Beijinhos
    Os Piruças

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    Respostas
    1. Olá olá!!!
      Obrigada pelas palavras queridas!!
      Não vou desistir. Gosto tanto do que faço!!

      Beijinhos

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