PEDIDO DE PERDÃO (A UM ANO DISFARÇADO DE NORMAL)

Bom dia 2020!

Não te pergunto como estás, como é habitual nas cartas que se escrevem, porque sei que de nada adiantará a (suposta) preocupação neste momento de despedida. Afinal, faltam poucas horas para o adeus e de nada adiantará descobrir como as passaremos (tu e eu!).

A ideia de te escrever surgiu repentina e não vou adiá-la, mas acredita que não o faço para te atacar. Estou cansada desta nossa guerrilha, do constante empurrar de culpas e responsabilidades, das lamúrias e desculpas lançadas numa só direção. Afinal das contas, serás mesmo tu, como tantas vezes o dissemos, o culpado de muitos dias de recordações a esquecer? Também não vou atacar o Covid, ou Corona, como quiseres chamar... Foi um hóspede em tua casa durante quase todo o ano, mas nem foste tu quem o convidou! O outro, que saiu sorrateiramente faz hoje um ano, é que lhe enviou o primeiro convite, lá para onde nasce o sol. E foi embora sem saber (nem, por isso, avisar!) quando chegaria a tua casa e por quanto tempo nela confortavelmente habitaria.

Escrevo-te porque o coração pede, porque preciso de te deixar ir em paz e, para isso, terei de pedir que me perdoes. Não, não me enganei nos pronomes que usei, nem na atribuição de culpas. A ti as dirigi durante 366 dias, contando com esta manhã, e não foi por isso que encontrei (em mim mesma) a paz que desejo ao Homem e ao Mundo. Considero-me uma pessoa justa e não consigo despedir-me sem fazer as pazes contigo. Pazes... a minha e a tua. 

2020, perdoa-me!

Perdoa-me por te ter culpado pela queda do cabelo durante os meses em que EU decidi recolher-me sem sair de casa, em que EU optei por me esconder do teu hóspede para proteger a saúde (minha e dos meus), em que EU preferi a ansiedade de emails (mensagens e afins) chegando a toda a hora, sem horários nobres nem locais privados da casa, a deixar os meus meninos longe da sua professora, em que EU voltei a comer que nem uma desalmada e em que EU me sedentarizei apesar das escadas (para o step), da psicina (para a natação) ou da subscrição mensal do "Yoga Para Você". Não tiveste culpa nenhuma. Foram opções minhas, como resposta ao que tu, sem querer, trouxeste até mim. Se não me arrependo de as ter tomado, que direito tenho a culpar-te?

Perdoa-me por te ter culpado dos muitos quilos que EU ganhei. Na verdade, nem os ganhei (ou recuperei?) apenas durante o teu mandato. Já tinha culpado as férias e o Natal de 2019... Só continuei a distribuir culpas para ME desculpar... 5 kg para uns, 5 kgs para outros... a todos culpei pelas vezes em qu EU me refugiei na comida, em que tentei compensar-me com doces e salgados, em que EU comi sem já ter fome e preferi os hidratos às vitaminas que antes me tinham conquistado. Fui EU quem desistiu dos números que vestia ou das habilidades que já mais facilmente usava (a flexibilidade, a agilidade, a rapidez, o equilíbrio...). Fui EU quem não susbtituiu as caminhadas por outras formas de me mexer das duas vezes em que o tornozelo me avisou que não estava bem. (E fui EU quem não o tratou convenientemente...) É certo que todas estas culpas também as disparei noutras direções, mas confesso que tu, 2020, foste o meu saco de pancada durante tempo demais. 

Não fiques triste! Apesar de todas estas confissões e de, finalmente, atribuir culpas a quem de direito, não estou zangada comigo mesma! Reagi e decidi conforme achei melhor na altura. Disse e fiz o melhor que consegui. De nada serve continuar a culpar-te ou a culpar-ME... A vida é mesmo assim, um rol de experiências, de tentativas e erro, de passos bem e mal dados, de decisões mais e menos conscientes...

Perdoa-me por te ter culpado também do excesso de cansaço e das noites mal dormidas, das dificuldades e das contas por pagar, da desmotivação escolar do filho e dos TPM's exacerbados da filha, de não ter ainda aprendido a cozinhar (ou, pelo menos, a gostar de o fazer), das férias que não tive e das festas onde não fui, da decoração que ficou a meio, dos cios irritantes da Milka, do jardim que não consegui manter com 5 estrelas, das dificuldades que os meus alunos têm em resolver situações problemáticas e dos seus erros de ortografia, da monocelha que deixei crescer e dos cortes que (quase) aleatoriamente dei no cabelo...

Até porque, se quisesse mesmo continuar a atribuir-te culpas por tudo e por nada, também teria de dizer-te responsável pelo caminho de desenvolvimento pessoal que tracei enquanto reinavas, que me deu ferramentas essenciais para controlar a ansiedade, a culpa e as inseguranas, pelas aprendizagens valiosas que adquiri (no curso que tirei, nas duas formações que fiz e nos imensos workshops e cursos gratuitos em que tive oportunidade de participar), pelo fortalecimento e consolidação das relações realmente importantes na minha vida, pela descoberta de formas de lazer que me acompanhatão daqui para a frente, pelas tardes de sol que me deram uma cor linda, pelos objetivos e metas que tracei para o futuro, pelos dias sem "fazer nada" que, curiosa e surpreendentemente, amei... Não, não te vou culpar por isto. EU sou responsável por tudo isto. EU!

Assim, assumindo eu as "culpas" do que de bom e mal aconteceu enquanto comigo estiveste, só posso mesmo pedir-te perdão pela forma como te tratei e pelo quão desejosa estava que te fosses embora. Desculpa, 2020. Perdoa-me...

Espero que recebas muito mais cartas como esta. Acho que há muita gente desejosa de te pedir perdão.

Não leves a mal se receberes também cartas de acusação. Nós, os humanos, temos esta tendência (quase) natural de vitimização e de escolher intencionalmente as responsabilidades a assumir. Não é por mal, é uma defesa que usamos quando (ainda) não percebemos que todas as escolhas são nossas, mesmo as que fazemos contrariados ou por nos sentirmos obrigados. Fazêmo-lo para ser mais fácil de gerir em nós os custos e privilégios de sermos livres. Lê-as apenas se quiseres perceber como somos por dentro.

Adeus, 2020!

Boa Viagem!!

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