HISTÓRIAS DE VIDA: "CONTRAÍ HIV E A MINHA VIDA MUDOU" - PARTE III

Esta é a história desta Maria... podia ser de outra qualquer. Podia ser da Maria que há em nós.
É a história de uma maria-coragem, que decidiu partilhá-la connosco para que possamos aprender uma lição e compreender o mundo como ele é.

Já contei a primeira parte AQUI.
Continuei AQUI, trazendo a segunda parte.

Hoje trago mais um pouco desta história que conta como contrair HIV mudou completamente a vida de uma mulher.

"CONTRAÍ HIV E A MINHA VIDA MUDOU"
PARTE III

Para piorar a situação, o meu irmão veio dizer-me que o meu pai queria que eu fosse ao médico.
Fiquei fula, incrédula e desnorteada: eu tinha lhe pedido que guardasse segredo e o meu pedido não foi respeitado! Além disso, o meu pai não tinha o direito de escolher o meu médico! Eu já estava a ser seguida!!
No entanto, passado uns dias, com a consciência a pesar-me e a aflição e o medo a apoderarem-se de mim, decidi aceitar a ideia e ir ao médico que o meu pai aconselhava. Isto sem os meus avós descobrirem, pois não tinha coragem de lhes contar o que se estava a passar.
O médico que foi muito mais simpático que o anterior e explicou-me porque razão se sabia há quanto tempo tinha sido infectada. É que, nas análises que me fizeram, apenas encontraram o vírus livre no sangue e não tinham sido ainda detetados anticorpos, os quais, em qualquer doença viral, surgem após 6 semanas da presença do vírus no sangue.
Também me explicou porque razão não fui medicada e de me ter sido dito para "aguardar até ficar doente”. É que os hospitais públicos têm uma verba reduzida para estas medicações, pelo que optam por manter apenas medicados os doentes que já iniciaram o tratamento. Após começarem a ser tratados, já não se pode parar a medicação, já que o vírus cria resistência à mesma. Além disso, só existe uma gama de medicamentos disponível e capaz de reduzir e "adormecer" o vírus, ao ponto deste ser difícil de o detetar e reduzindo o risco de infeção para 0,02%. 
No entanto, esta doença, não sendo tratada, permite a entrada no organismo de qualquer outra, mesmo das piores que se possa imaginar, o que pode matar o doente de forma rápida e oportunista.
Decidi ser seguida por este médico, que pediu novas análises para descobrir qual o tipo de vírus e escolher a medicação mais adequada. É que o vírus vai fazendo mutações no nosso organismo, para se adaptar e ser difícil de combater.

Tinha então chegado a hora de contar aos meus avós o que se passava. Não fui capaz de rodear a conversa e disse-o direta e friamente, saindo depois a chorar.
Segundo a minha madrasta, que ficou a ouvi-los, os meus avós disseram coisas muito desagradáveis, chamando-me nomes e dizendo que eu podia morrer que já não fazia nada nesta vida, o que me deixou destroçada. 

Um ou dois dias depois, fui ao hospital a uma consulta de rotina de ginecologia, aconselhada pelo infeciologista. Assim que fui examinada, foi logo detetada uma infeção enorme no útero e nas trompas, que quase atingia também os ovários. Numa pessoa sem o vírus, o tratamento poderia ser feito em casa com recurso a antibiótico, mas, no meu caso, tive de ficar logo internada. 
Assim que fiquei internada, liguei ao meu tio a contar-lhe e disse-lhe que podia dizer aos meus avós, já que, depois de terem feito todos aqueles comentários sobre mim, eu não conseguia falar com eles.
O meu tio disse que iria contar-lhes, mas pediu para não acreditar em tudo o que me contara a minha madrasta, pois não era verdade.
Confirmei-o logo quando, no dia seguinte, a minha avó me visitou e me disse que eram tudo mentiras dela. "Como foi aquela mulher capaz de dizer aquelas coisas?". Incrédula, mas muito cansada, pedi à minha avó que esquecesse esta maldade. 

Após 15 dias de internamento num quarto isolado da maternidade, tive alta e fui medicada para casa dos meus avós. A medicação era muito forte e os efeitos secundários foram horríveis e muito semelhantes aos do tratamento de quimioterapia. Fui-me muito abaixo. Fiquei sem forças, só me apetecia vomitar, não conseguia sair da cama, o cabelo começou a cair e fiquei cheia de urticária, resultado de uma alergia rara ao tratamento. Estes sintomas só pararam após 2 semanas de tratamento.

Quando melhorei um pouco, voltei para Lisboa para trabalhar, mas encontrei um ambiente muito mau. Eu continuava depressiva e os olhares das pessoas que sabiam não ajudaram em nada. Até os que se diziam amigos, foram deixando de me falar, à exceção de uma amiga.
Mandaram-me trabalhar num hospital da margem norte de Lisboa, garantindo assim o sigilo e o acompanhamento psiquiátrico. Mais ninguém saberia da minha doença para além do meu chefe directo.
Neste novo trabalho fui bem tratada e ajudaram-me a sair da depressão. As pessoas que souberam o que eu tinha, não me julgaram nem me trataram com desprezo.

Decidi contar ao Manuel que tinha sido ele a contaminar-me com HIV. Na altura ele estava nos Açores em missão.
Contei também a um médico amigo com quem falava e que decidiu alertar para esta situação um colega de profissão que estava a acompanhar a tal missão. Desta forma, foram feitos exames de urgência ao Manuel que, ao confirmar-se o resultado, foi mandado de volta para o continente, com carta para ir urgentemente ao médico.

Não conseguia colocar nele todas as culpas da situação. Sentia-me igualmente culpada, pois não tinha sido violada e tinha consentido a relação sem proteção. 
Contra todos os conselhos da minha grande amiga e das amizades que fiz entretanto, voltei a falar com ele e a sua reação foi inesperada e chocou-me. Lembro-me de ter dito: "Não percebo porque estás assim tão acabada. Não tens um braço nem uma perna a menos, estás viva na mesma, por isso não te entendo”. 
Afastei-me dele de novo e mais tarde fiquei a saber que já há muito tempo que ele sabia que tinha o vírus que infetava deliberadamente algumas mulheres para se vingar. Fiquei cheia de raiva, não querendo acreditar que eu tinha caído na "conversa do bandido". 

Aos poucos fui vencendo a depressão.
Desde aí, consegui ter afinidade com três rapazes, com os quais fui correta contando logo da minha doença e as reações foram muito más e chocantes para mim.
O primeiro dos três nunca mais me falou, mudando até de número e desaparecendo "do mapa". O segundo, que conheci exatamente um ano após a minha doença, também se afastou, apesar de ter demorado mais a desaparecer da minha vida.
O terceiro, conheci depois de arranjar casa. Era meu vizinho e conhecemo-nos quando eu ia passear o meu cãozinho e ele saía com o filhote pequeno. Quando lhe contei, numa primeira saída à praia, teve uma reação diferente. Voltou a falar-me e a convidar-me para sair e acabou por me contar as suas intenções: "A minha intenção era comer-te e nunca mais te falar, mas, como foste tão sincera, pensei bem e não te ia fazer isso. Fiquei sensibilizado e estou atraído por ti, por isso não te ia magoar mais do que já estás”.
Com este rapaz vivi coisas que nunca vivera anteriormente. Ele era romântico, carinhoso, amoroso e estávamos sempre juntos, mas nunca nos envolvemos sexualmente. Eu entendi o seu medo e dei-lhe espaço. Ficámos muito próximos e chegámos a contar à sua família, mas penso que o que lhe foram dizendo, aliado à falta de momentos mais íntimos, o levaram a afastar-se.
Tentei o suicídio para chamar a sua atenção. Sei que foi um erro muito grande e que nada justifica o que fiz. Além disso, ainda o afastei mais de mim. Perdi-o também!

Depois perdi o emprego.
Estive um ano a receber subsidio de desemprego e depois tive que regressar à minha terra natal. Não pude concorrer mais aos quadros militares, nem arranjei outro emprego, muito por causa desta doença que ainda é muito descriminada.
Passaram quatro anos e continuo desempregada.
Os amigos, desapareceram todos, ficando só aquela amiga especial.nao pude concorrer, acabou contrato vim para a rua. Os amigos, que eu pensava amigos,

Quero deixar-vos uma mensagem:
Nunca descuidem de vocês mesmos, pois um ato mal pensado pode deitar tudo a perder. Não queiram acabar como eu, que fui uma das responsáveis por estar nesta situação. Tenham cuidado, não confiem, usem sempre proteção.


Esta história chegou ao fim, mas outras podem ser contadas aqui no meu blogue.
Se querem ser um Manuel ou uma Maria que ajuda os outros com o seu exemplo de vida, mandem-me um e-mail. Arrisquem! Façam valer a vossa experiência!

Quero deixar um obrigada especial a esta Maria, que confiou em mim desde o primeiro dia e que tão sincera e corajosamente contou a sua história.
Quero também agradecer-lhe por me ter permitiu pegar nas suas palavras e reorganizá-las ao jeito da minha escrita.
Não és uma Maria qualquer... és a Maria que fez a diferença aqui no blog.
Obrigada, querida!!

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